quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Ouça a gravação da palestra do Igor Vólguin

Se você entende russo e não pôde comparecer ao seminário, clique no link abaixo para ouvir a palestra do professor da Universidade Estatal de Moscou, pesquisador e escritor, Igor Vólguin:

Igor Vólguin - Seminário Legado de Tolstoy by fabyuri

Para baixar:

20110916 193247.m4a - 49.2 MB

Agradecemos ao Fabrício, do sensacional blog Falando Russo, pela idéia e pelos retoques finais. :-)

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Terceira noite do Seminário: Vólguin

Arlete Cavaliere (USP), mediadora e Igor Vólguin, palestrante
Igor Vólguin hipnotiza todos ao colocar lado a lado Tolstói e Dostoiévski
Eis que surge, imponente, nosso terceiro palestrante e, num átimo, canaliza todas as atenções para si. Igor Vólguin, professor titular da Universidade Estatal de Moscou, escritor e pesquisador de renome mundial, possui um discurso envolvente, pautado no grande conhecimento que tem da riquíssima cultura russa. Nesse sentido, ele consegue transmiti-lo como poucos ao percorrer caminhos absolutamente originais e inesperados em sua fala. Por isso, faremos aqui um pequeno relato do que foi dito pelo professor, enfatizando algumas idéias, sem qualquer pretensão, no entanto, de refazer sua trilha singular.  
Na comparação entre Tolstói e Dostoiévski, Vólguin ressalta que, “reza a lenda”, existem três categorias de pessoas no mundo: aquelas que leram, aquelas que vão ler e, por fim, as que jamais leram ou vão ler os russos. A partir daí, volta-se para os diários de Tolstói, tão presentes em sua trajetória de vida, agregando um conjunto de textos pessoais e sendo também um recurso forte de auto-educação, ainda que o autor desses diários não estivesse satisfeito com seu protagonista. No círculo pessoal de Tolstói, entre secretários, seguidores e membros da família, 20 pessoas escrevem diários. Já Dostoiévski teria possuído somente um documento desse tipo, uma espécie de diário taquigráfico escrito por sua mulher.  
Vólguin conta que Tchekhóv, a despeito de tímido, ansiava por conhecer Tolstói. Um belo dia, chegando à Iásnaia Poliana, o encontrara seminu, apenas com uma toalha enroscada ao corpo, pronto para tomar um banho.  O que poderia soar como uma barreira, entretanto, revelou-se como uma oportunidade inigualável. Tolstói convidou-o para o banho e o melhor da conversa se deu quando ambos estavam com a água pelo pescoço. A informalidade inerente ao escritor conquistava a todos. “Quando Tolstói morrer, que tudo vá pro inferno!” – teria proferido Tchekhóv.


Tolstói e Dostoiévski, segundo Vólguin, fazem parte da consciência russa. Se um deles fosse retirado da história do país, por exemplo, essa história seria outra, completamente diferente. Os dois viveram no mesmo espaço histórico, sob o mesmo teto pátrio,  ainda que nunca tenham se encontrado. Dostoiévski era sete anos mais velho que Tolstói, e quando ele morreu, 30 anos antes de Tolstói, este se sentiu extremamente abalado, como se uma parte de si mesmo tivesse morrido. “Ele perdeu sua base, ficou mais circunspecto” – salienta Volguin.

Última leitura de Tolstói
Dostoiévski quer ir à Iásnaia Poliana, mas jamais consegue fazê-lo. Tolstói ama Recordações da Casa dos Mortos, a obra mais tolstoiana de Dostoiévski.  Pobre, Dostoiévski sonha com imóveis, Tolstói os rejeita. A literatura do primeiro reside no subtexto, ao passo que o segundo tudo explica, não deixando margem para ambiguidades. Enquanto o Conde de Iásnaia Poliana tem a seu favor o tempo ilimitado, é independente, o homem de São Petersburgo responde a prazos e vive com dinheiro emprestado, dependendo dos caprichos de um editor de modo a produzir textos tal qual uma máquina. Dostoiévski passa todos os direitos autorais  à mulher, pois quer garantir a sobrevivência dos filhos pequenos após sua morte. Tolstói, já famoso, proíbe a família de desfrutar de seus direitos autorais após sua morte. Tolstói não quer milionários; Dostoiévski não quer miseráveis. Um prefere a verdade; o outro Cristo. Dostoiévski é um pai exemplar, que entende os interesses maternos. Tolstói opta por confeccionar  botas a cuidar da família.  Dostoiévski passa por 21 condenações à morte ao longo da vida. Tolstói teme a morte sem ter razões concretas para tanto. Tolstói deixa a vida com estardalhaço, câmeras, seguidores, batendo a porta, com o mundo ao redor de sua cama e ignorando a família – e a imagem de Sônia do lado de fora da cabana em Astapovo é um reflexo disso. Dostoiévski morre sem a fama que teria no futuro, ainda pobre, ao lado da família que ama. Mas...
Dostoiévski morre com uma carta de Tolstói, cujo tema é a negação da divindade de Cristo, à beira da cama. Ele pretende responder... E Tolstói foge de Iásnaia Poliana deixando o segundo volume de Os Irmãos Karamazov à cabeceira – e quando a viagem termina em Astapovo, ele pede que Aleksandra lhe traga o livro, ansioso por lê-lo ainda antes que a morte, tão iminente, leve-o.   


Vólguin e Anastassia Bytsenko, tradutora.

Lev Tolstói como peregrino russo, Igor Vólguin

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Segundo dia do Seminário: Pavel Bassinski

Tchertkov, Sonia, direitos, propriedade e testamentos: Pavel Bassinski relata a saga de Tolstói para se livrar dos compromissos com a “herança”

Pavel Bassinski (Instituto Gorki), palestrante, e Aurora Fornoni Bernardini (USP), mediadora

Platéia: no detalhe Igor Volguin e Elena Vássina

Na segunda noite do Seminário Internacional O Legado de Lev Tolstói para o século XXI, recebemos o professor, pesquisador e escritor russo Pavel Bassinski, que fez uma minuciosa exposição acerca dos últimos anos da vida de Tolstói, quando ele se viu às voltas com as exigências de Sonia e Tchertkov, seu devotado (e encrenqueiro) discípulo, para que ele deixasse um testamento válido relativo a seu legado literário.

A princípio, Bassinski falou sobre a extrema dificuldade de Tolstói  para lidar com suas propriedades. Estas seriam de duas espécies: as de teor concreto – ou seja, as terras; e as concernentes às suas idéias – ou seja, suas obras.  Das primeiras ele já havia se livrado em 1882 quando dividiu  as terras entre os membros da família e ficara, para o seu contentamento, sem nada. Mas com relação à partilha da outra propriedade, a dos trabalhos escritos, cujo valor compreenderia hoje 100 milhões de dólares, ele teria mais  problemas.

Houve, segundo Bassinski, sete variantes desse testamento. Muitas dessas variantes, contudo, eram simples anotações no diário que Tolstói, ingênuo com relação às questões jurídicas, julgava ter validade real. Na primeira anotação, inspirado em Nikolai Leskov, ele expressou seu desejo de ser enterrado como pessoa pobre e simples, quase como indigente, dispensando cerimônias de qualquer espécie. Nesse sentido, já pedia que seus herdeiros recusassem todos os direitos sobre suas obras. Para o autor, era terrível pensar que suas obras poderiam ser vendidas, envolvendo negociatas de caráter financeiro. Tolstói também acreditava que se publicasse sua vontade nos jornais, esta, por sua vez, teria força jurídica, o que era uma falácia.

Quando em 1901 o escritor quase morreu na Criméia, a necessidade de elaborar um testamento válido se tornou premente, especialmente para o sagaz Tchertkov - pontua Bassinski. Da Inglaterra, o discípulo enviou um questionário a Tolstói que, se respondido afirmativamente, serviria como o segundo testamento. O intuito era assegurar que por meio da manobra Tchertkov tivesse direito sobre toda herança literária do autor, inclusive sobre o que Tolstói acreditava pertencer à família – ou seja, sua obra precoce, o material pré-conversão.

Tal assunto, na verdade, era extremamente desagradável a Tolstói, que além de achá-lo insignificante, sabia que aquele “compromisso”, aquela “obrigação”, aqueles documentos por ele assinados, poderiam causar o mal, desencadeando conflitos. Pediu, portanto, que Tchertkov os queimasse.

O terceiro testamento foi ditado por Tolstói à filha Aleksandra – e neste ele expressou a vontade de que toda sua obra passasse ao “domínio público” após sua morte. Os erros jurídicos de Tolstói, entretanto, residiam no fato, por exemplo, dele “pedir” em vez de “ordenar” ou no desejo de legar sua obra ao povo – o que na época era impossível. Ou seja, alguém ou alguma instituição precisaria se responsabilizar por ela. Em 1909, Sofia já gozava de um debilitante estado demencial, achando que Tchertkov e Sacha iriam raptar seu marido. No mesmo ano, para impedir uma viagem deles a Estocolmo, Sofia tenta se matar e, de lambuja, enquadrar Tchertkov judicialmente, ainda que não possuísse provas concretas para tanto.

Nas anotações em seu Diário, Tolstói não mencionava o testamento e já manifestava a vontade de fugir para o exterior sozinho. Tchertkov estava sempre a seu encalço. Em setembro de 1909, Tchertkov e sua equipe conseguem fazer com que Tolstói assine um testamento, mas o ancião se sente angustiado por ter de esconder isso da família.  O "problema" não o deixava em paz, pois, em função de erros jurídicos, outras variantes seriam elaboradas. Enquanto Sofia enlouquecia intuindo que estava sendo traída, Tchertkov se mostrava cada vez mais desumano com a família de Tolstói, o que o escritor jamais percebeu, tal sua confiança no seguidor. Por Sonia, Tolstói sentia ora pena ora amor ora pavor. Como mentir era algo impossível e abominável para ele, só lhe restava escapar daquele cenário conflituoso – e foi o que ele fez. Partiu de Iásnaia Poliana numa madrugada fria "com apenas 50 rublos no bolso" - revela Bassinski, de forma conclusiva, sobre aquele admirável homem avesso a bens e propriedades. 


quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O primeiro dia do Seminário

O palestrante Vladímir Tolstói e a mediadora Elena Vássina

Tataraneto de Lev Tolstói, Vladímir Ilítch Tolstói, brinda o público com uma bela palestra sobre as similitudes entre a obra do autor e o cotidiano familiar da linhagem Tolstói 
O público preparado para o início da palestra
Foto: Jana D'Avila


Quem esteve ontem no  CCBB-SP pôde testemunhar um emocionante relato de Vladímir Tolstói sobre a família Tolstói.  Ele, que desembarcou anteontem no Brasil apenas para estar no Seminário, regressando já hoje para Moscou, mostrou que menos do que traços do tataravô, guarda a simplicidade e a afabilidade do grande escritor.
Sua palestra teve como ponto de partida Iásnaia Poliana.  “Lá” – ele disse – “foram escritas todas as obras”.  E diferencia a leitura do leitor comum ou do crítico da leitura das pessoas, entre familiares e conhecidos, que foram próximas ao autor. Estas se reconheceriam nos personagens dos textos de Tolstói – que são, sobretudo, autobiográficos.
Em O Cadáver vivo, por exemplo, o protagonista seria um retrato impecável do filho de Tolstói, Andriéi. Em Anna Kariênina, a inocente Kitty, uma alusão a Sofia jovem (quando se casaram, Sofia tinha 18 anos e Tolstói, 34), enquanto a experiente Dolly seria um reflexo da esposa de Tolstói na maturidade, sofrendo pela morte dos filhos que tanto amava e extremamente preocupada com aqueles que viviam.  Nos primeiros 10 anos de união, Sofia e Tolstói tiveram seis filhos. Tal fato iria ao encontro do estado de Dolly no romance – grávida do sexto filho.
Guerra e Paz, essa epopéia de abrangência sobre-humana, também seria, nas palavras de Vladímir, uma obra de cunho familiar. A linhagem Tolstói estaria ali refletida na família Rostov. Em carta escrita há 150 anos, Tatiana, irmã de Sofia, diria: “Que beleza o início desse romance! Reconheci nele tanta gente!”.  Vladímir ressalta que no salão da casa do escritor em Iásnaia Poliana estão dispostos diversos retratos de membros da linhagem, sendo que um deles se destaca – o retrato do avô de Tolstói, que a todos encara. No romance, essa figura imponente seria o patriarca da família Rostov.
Vladímir fez menção às taças e cálices descritos em Guerra e Paz, que, na realidade, existem na vida real contendo o monograma francês CLV (Conde Lev Tolstói). Essas relíquias seriam usadas até hoje pelos descendentes em festas e ocasiões especiais. A mãe de Tolstói, que o deixara aos dois anos de idade e da qual ele tanto sentira falta por toda a vida, estaria refletida no romance na bela figura da Princesa Maria Bolkonskaia, que, de espiritualidade elevada, vive uma vida de auto-abnegação em meio a figuras santificadas.
 Dentre diversas outras associações entre ficção e realidade, Vladímir reitera que a grande família continua existindo, contabilizando mais de 300 membros ao redor do mundo, salientando que até no Brasil ela está representada. Vassili Tolstói, primo de Vladímir, mora no Rio de Janeiro, onde é casado com uma brasileira. A cada dois anos – conta Vladímir – descendentes de Tolstói se reúnem em Iásnaia Poliana para uma série de celebrações e atividades, orgulhosos de pertencer a uma linhagem que existe desde o século XIV.
Em Iásnaia Poliana, segundo o palestrante, tudo permanece igual. Tudo é conservado exatamente como o escritor deixou antes de partir rumo ao etéreo. Sua biblioteca soma 22 mil livros. Sobre a estaca verde, enterrada em uma ravina próxima à floresta de Zakaz, que, segundo a história de Nikolai, guardaria o segredo que salvaria a humanidade de todos os males, ele diz: “ela ainda não foi encontrada”. Mas adverte que, talvez, o grande legado de Lev Tolstói estaria contido justamente na idéia de que todos nós jamais deixemos de procurá-la enquanto estivermos vivos –  à medida que, claro, estivermos lendo os 90 volumes da reveladora obra do autor.   
O público


Ana Lúcia
Ana Lúcia, formada em engenharia ambiental e fã  de Tolstói, estava interessada em descobrir mais sobre a filosofia pacifista que sustenta a obra do autor. Romance preferido: Anna Kariênina.






Daniela
Daniela, estudante de Letras-Russo da USP: "Me interesso muito pelo assunto e pelos livros que Tolstói escreveu. Estudo na minha pesquisa de Iniciação Científica as relações entre o Tchekhov e o Tolstói.











Diego
Diego, professor de língua russa da UFRJ: "Para mim é uma felicidade estar aqui para ver o trineto de Tolstói e participar deste evento lindo que vai falar sobre a importância dele para a literatura universal".

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Entendendo nosso primeiro palestrante: Vladímir Ilitch Tolstói

A família reunida ao redor do então patriarca Lev Tolstói
Vladímir Ilítch Tolstói















Não é qualquer evento ou seminário que tem a honra de receber como palestrante um descendente direto de seu homenageado. Por isso, esse evento já é glorioso. Como se não bastasse, Vladímir também é um homem extremamente preocupado com o legado, tanto humano, quanto material, de seu trisavô. 
Na árvore genealógica da família Tolstói, Vladimir pertence ao tronco que parte diretamente do escritor Lev Nikolaievitch Tolstói, sendo este seu trisavô. Vejamos:

Lev Tolstói (trisavô de Vladímir) ---- Iliá (bisavô de Vladimir) ---- Vladímir (avô de Vladímir) ---- Iliá (pai de Vladímir) ---- Vladímir Ilitch Tolstói (nosso palestrante).


Em 1945, Vladímir voltaria da imigração com seu pai e seu avô. Na época, eles foram os únicos da família a retornarem à Rússia ou URSS, ávidos para, mesmo que lidando com um governo hostil, se restabelecerem no país que tanta história armezanava no interior de suas fronteiras. No decurso dos anos, Vladímir se formou em jornalismo e, nesse bojo, fundou o Museu Iásnaia Poliana, não só para recuperar e divulgar os indícios concretos dos passos do trisavô, mas a fim de, também, reunir todos os descendentes de Tolstói, que hoje somam cerca de 250 em todo mundo e se encontram em festas anuais. A família, cabe dizer, jamais viveu dos direitos autorais da obra de Tolstói, estando em sintonia com tudo aquilo que o escritor não queria: ou seja, que sua herança se tornasse motivo de desavenças de caráter financeiro.


Iliá Tolstói, filho de Tolstói e bisavô de Vladimir
Vladimir entende que o interesse pela obra de Tolstói aumentou nos últimos tempos. E afirma saber a razão: "O leitor pode encontrar em seus textos as respostas para todas as questões levantadas atualmente pela sociedade - e tais respostas se dão no sentido de celebrar à vida, não de condená-la". E pontua: " A necessidade de Tolstói é como a nossa necessidade por frutos ecologicamente puros. As pessoas que estão começando a lê-lo estão começando a entender sua infinitude absoluta ".

O Museu também promove o Prêmio Literário Iasnaia Poliana, fundado em 2003 e do qual Pavel Bassinsky, outro de nossos palestrantes, é membro do juri.

Site oficial do Museu Estadual de Iásnaia Poliana

Lembramos que o Seminário "O Legado de Lev Tolstói para o século XXI" tem início amanhã, às 19:30, no CCBB - SP, com palestra de Vladímir Tolstói e mediação de Elena Vássina. As senhas serão distribuídas 1 hora antes do evento. A lotação é de 70 lugares e a entrada é franca. :-)

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Feliz Aniversário, Tolstói!!!

Hoje, dia 9 de setembro, comemoramos o 183º aniversário de nascimento de Lev Tolstói. Mas o que acontecia em 1908, quando foram celebrados seus 80 anos de idade?
O contexto 
O clima não era dos melhores. A família, o que também incluía agregados de toda sorte, como o Dr. Duchan Makovitski, estava rachada em função das brigas de Tolstói com Sonia incitadas pelo autoritário Tchertkov – ao que parece, o grande vilão da história.
Às vésperas daquela importantíssima data, tanto para família quanto para o povo russo, o escritor se sentia adoentado, achando que poderia morrer a qualquer momento, antes mesmo de completar seu octogésimo ano de vida. Nesse hiato entre os pensamentos macabros de Tolstói e o grande dia, ele escreveria dois testamentos. No primeiro deles, diria, seguindo sua lógica pós-conversão: “Enterrem-me no lugar em que eu morrer, no cemitério mais barato... e no túmulo mais barato... como se enterram indigentes. Não depositem flores ou coroas e não façam discursos. Se possível, enterrem-me sem padre ou serviço funerário... (...) Não anunciem minha morte nos jornais e não escrevam obituários.” – tal abnegação soa hoje no mínimo engraçada. No segundo, entretanto, menciona que gostaria de ser enterrado no bosque Zakaz, onde se encontrava a estaca verde da história que o irmão Nikolai contava quando eram crianças – a da “irmandade das formigas”. Na tal estaca estaria gravado o segredo que erradicaria todo o mal do mundo.
Passados esses momentos fúnebres, característicos do autor em diversas ocasiões, Tolstói, ansioso, começa a desejar que as pessoas não façam tanta celeuma em virtude do aniversário. “Toda minha vida detestei qualquer tipo de jubileu. Parece uma troça o fato de que na minha velhice, quando eu devo pensar na morte, as pessoas queiram fazer uma coisa tão desagradável” – ele registraria em seu diário.
Apesar dos apelos de Tolstói, entretanto, o circo já estava armado. Comitês foram criados nas duas maiores cidades russas para celebração e arrecadação de fundos. Enquanto isso, a Igreja Ortodoxa esbravejava: seria um acinte comemorar o aniversário de um herege, de um “Judas russo”. Tolstói continuava a dizer: “qualquer celebração seria um tormento difícil de suportar”.
O jubileu
Naquele dia, 9 de setembro de 1908, a despeito da agitação, Tolstói testemunharia o quão amado era por todo mundo. Hordas de jornalistas e fotógrafos chegaram cedo à Iásnaia Poliana. Vindos de todos os lugares, uma multidão de admiradores dirigia-se para a casa. Telegramas, cartas e pacotes chegavam aos milhares pelo correio. Eram caixas de doces, livros, garrafas de vinhos franceses, um lindo samovar niquelado vindo de um grupo de 72 garçons de São Petersburgo, além de desenhos e aquarelas de pintores russos, como Repin e Pasternak.  
Durante um familiar jantar de gala para 30 pessoas, Tolstói se deleitaria em ler parte daqueles dois mil telegramas e cartas que receberia de pessoas de diferentes classes sociais e países.
Do Instituto Politécnico de São Petersburgo:
“Nós vos desejamos muitos outros anos de vida em vossa luta contra os poderes da obscuridade”.
Do Teatro de Arte de Moscou:
“A arte se curva hoje, grande mestre. Stanislavski e Companhia”.
De um camponês:
“Não fiqueis em silêncio, velho senhor inspirado por Deus.”
De um grupo de professores:
“Recebei nossa respeitosa homenagem ao gênio, ao conhecedor do coração russo”.
Um grupo de escritores ingleses, que incluía George Bernard Shaw, George Meredith, H. G. Wells, Thomas Hardy, dentre outros, bem como escritores e artistas de todo mundo lhe enviariam mensagens de congratulações. De noite, Tolstói estava cansado. Mas ainda teve tempo de sair ao ar livre e dizer algumas palavras às centenas de simpatizantes que se aboletavam do lado de fora, ávidos para ver o ídolo. Exausto, Tolstói voltou para o interior da casa e, após ouvir um pouco de Chopin, foi dormir em paz - pelo menos naquele dia.  

Na Rússia:

Дорогой Лев Николаевич Толстой, с Днём Рождения!