quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A Sonata a Kreutzer e Beethoven

Há quem diga que um ser humano de posse de suas faculdades normais jamais escreveria um romance como A Sonata a Kreutzer. O rebento literário de Tolstói, nascido da nebulosa fase pós-conversão, faz apologia ao fim da humanidade pela prática da abstinência sexual e, dentre outras coisas, sugere que as crianças são meros apêndices cuja função é tumultuar a vida dos pais. Nesse rastro, a música, para Tolstói, sobretudo a de Beethoven, trata-se de um ente absurdo que só serviria para despertar "condicionamentos" desnecessários, eventualmente violentos ou irracionais, uma vez que não próprios de quem a ouve, mas de quem a compõe (?).
Bóris Schnaiderman, tradutor de Tolstói, aponta que A Sonata a Kreutzer, publicada em 1891, foi um capítulo negro na trajetória do autor, que revela a necessidade de "expor publicamente, em forma concentrada, a sua obsessão". E arremata: "Com sua carga de exacerbação da emotividade, A Sonata a Kreutzer desafia-nos até hoje e parece insistir em que a literatura nos obriga às vezes a conviver com aquilo que nos parece mais odioso em nosso cotidiano".

E o que dizer sobre as aparições de Ludwig van Beethoven na literatura?
Até onde eu sei, ele não infernizou apenas a vida do personagem Póznichev de Tolstói, mas a de Alex, protagonista do livro A Laranja Mecânica de Anthony Burgess, que, ao passar por um procedimento bastante peculiar, não consegue mais ouvir sua música preferida - A Nona Sinfonia; e, em solo tupiniquim, a do pianista Menandro Olinda, no brilhante romance Incidente em Antares de Érico Veríssimo. Este entrava em colapso "em vida" diante de Appassionata.


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