Tolstói, em face de seu amor ao campo e bastante influenciado por Rosseau, bem como por sua teoria do "bom selvagem", nunca viu o ambiente da cidade com bons olhos. Contos como A morte de Iván Ilitch ou Três Mortes, em parte, resultam dessa sua visão. O camponês seria mais "humano" por estar mais próximo à natureza, enquanto o homem da cidade, a exemplo de Iván Ilitch, é absorvido pela burocracia e tudo em sua vida acaba se transformando em "coisa", em - como diria Marx - objeto reificado.
No filme Into The Wild (No Brasil, Na Natureza Selvagem), lançado em 2007, com direção de Sean Penn e baseado na trajetória verídica de Christopher McCandless, estudante norte-americano que abandona o que entendemos por civilização para viver entrelaçado à natureza, fica evidente o quão pernicioso pode ser o meio urbano.
Já há algum tempo em contato profundo com a natureza e tudo que isso reivindica; bem como desvinculado dos valores comuns à urbe, o aventureiro retorna, por descuido e anônimo, à cidade grande. Quando enfurnado na mata, o rapaz, ávido leitor de Tolstói, Jack London e Henry David Thoreau, torna-se um jorro de vitalidade estóica que cativa o espectador, estando em equilíbrio e confluência com o meio ambiente. À medida que adentra o habitat metropolitano, contudo, ele se converte em só mais um naco na multidão despedaçada, onde as pessoas não se vêem, não se tocam, não se ouvem e a menor menção ao natural cai na armadilha do mercado, cuja gosma produzida narcotiza os sentidos e cria padrões. Nesse não-lugar, ele se torna um número no antebraço, uma estatística no holocausto, um indivíduo espezinhado pela civilização, pela tecnologia, pela burocracia; inepto a encaixar-se em modelos artificiais e removido ao fundo do poço de uma estrutura.
O filme, no entanto, nos alerta para o outro lado da moeda, que também é previsto por Tolstói. Sem a companhia do outro e destituído do conhecimento milenar do "selvagem", McCandless é devorado por aquilo que ainda lhe resta de postiço. Em contos como De que vivem os homens, Tolstói deixaria claro que ninguém vive isoladamente, visto que, para nos matermos vivos, devemos viver para os outros. Deus, assim, teria revelado ao homem não apenas o que lhe é útil, mas o que é necessário também ao outro.
Outros filmes:
Viver (Ikiru) de 1952 - Akira Kurosawa
O enredo do filme do celebrado diretor japonês é baseado na novela A Morte de Iván Ilitch. Nesta, um burocrata encontra o sentido da vida através do processo da morte.
A Ultima Estação (The Last Station) de 2009 - Michael Hoffman
Com roteiro adaptado do romance homônimo de Jay Parini, o filme conta como foram os últimos dias da vida de Tolstói, quando sua mulher atingiu um estado demencial em função do patrimônio literário do marido, entrando em conflito com o mais devotado seguidor de Tolstói, Tchertkov. Nessa trilha, Tolstói fugiria de casa para viver em uma cabana como camponês. Por obra do destino, entretanto, ele acabaria desembarcando na desconhecida Estação Astapovo.
2 comentários:
Excelente post. Verei Ikiru em breve.
Faltou citar Family Hapiness (Семейное счастье, não sei se há tradução para o português), que inclusive é citado durante o filme e tem muita relação. Talvez mais ainda, pois não é um ode ao mujique.
Vocês estão de parabéns pelo blog, riquíssimo.
Olá Paulo, muito obrigada pela colaboração. Sim, não sei se Family Happiness já foi lançado no Brasil, mas vou procurar saber. De produção russa, existem incontáveis filmes sobre a obra de Tolstói e vale à pena correr atrás sim. Vou postar sua sugestão aqui, pode deixar. Um grande abraço e continue nos visitando. Esperamos encontrá-lo no Seminário também!!!
Luiza
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