Hoje, dia 9 de setembro, comemoramos o 183º aniversário de nascimento de Lev Tolstói. Mas o que acontecia em 1908, quando foram celebrados seus 80 anos de idade?
O contexto
O clima não era dos melhores. A família, o que também incluía agregados de toda sorte, como o Dr. Duchan Makovitski, estava rachada em função das brigas de Tolstói com Sonia incitadas pelo autoritário Tchertkov – ao que parece, o grande vilão da história.
Às vésperas daquela importantíssima data, tanto para família quanto para o povo russo, o escritor se sentia adoentado, achando que poderia morrer a qualquer momento, antes mesmo de completar seu octogésimo ano de vida. Nesse hiato entre os pensamentos macabros de Tolstói e o grande dia, ele escreveria dois testamentos. No primeiro deles, diria, seguindo sua lógica pós-conversão: “Enterrem-me no lugar em que eu morrer, no cemitério mais barato... e no túmulo mais barato... como se enterram indigentes. Não depositem flores ou coroas e não façam discursos. Se possível, enterrem-me sem padre ou serviço funerário... (...) Não anunciem minha morte nos jornais e não escrevam obituários.” – tal abnegação soa hoje no mínimo engraçada. No segundo, entretanto, menciona que gostaria de ser enterrado no bosque Zakaz, onde se encontrava a estaca verde da história que o irmão Nikolai contava quando eram crianças – a da “irmandade das formigas”. Na tal estaca estaria gravado o segredo que erradicaria todo o mal do mundo.
Passados esses momentos fúnebres, característicos do autor em diversas ocasiões, Tolstói, ansioso, começa a desejar que as pessoas não façam tanta celeuma em virtude do aniversário. “Toda minha vida detestei qualquer tipo de jubileu. Parece uma troça o fato de que na minha velhice, quando eu devo pensar na morte, as pessoas queiram fazer uma coisa tão desagradável” – ele registraria em seu diário.
Apesar dos apelos de Tolstói, entretanto, o circo já estava armado. Comitês foram criados nas duas maiores cidades russas para celebração e arrecadação de fundos. Enquanto isso, a Igreja Ortodoxa esbravejava: seria um acinte comemorar o aniversário de um herege, de um “Judas russo”. Tolstói continuava a dizer: “qualquer celebração seria um tormento difícil de suportar”.
O jubileu
Naquele dia, 9 de setembro de 1908, a despeito da agitação, Tolstói testemunharia o quão amado era por todo mundo. Hordas de jornalistas e fotógrafos chegaram cedo à Iásnaia Poliana. Vindos de todos os lugares, uma multidão de admiradores dirigia-se para a casa. Telegramas, cartas e pacotes chegavam aos milhares pelo correio. Eram caixas de doces, livros, garrafas de vinhos franceses, um lindo samovar niquelado vindo de um grupo de 72 garçons de São Petersburgo, além de desenhos e aquarelas de pintores russos, como Repin e Pasternak.
Durante um familiar jantar de gala para 30 pessoas, Tolstói se deleitaria em ler parte daqueles dois mil telegramas e cartas que receberia de pessoas de diferentes classes sociais e países.
Do Instituto Politécnico de São Petersburgo:
“Nós vos desejamos muitos outros anos de vida em vossa luta contra os poderes da obscuridade”.
Do Teatro de Arte de Moscou:
“A arte se curva hoje, grande mestre. Stanislavski e Companhia”.
De um camponês:
“Não fiqueis em silêncio, velho senhor inspirado por Deus.”
De um grupo de professores:
“Recebei nossa respeitosa homenagem ao gênio, ao conhecedor do coração russo”.
Um grupo de escritores ingleses, que incluía George Bernard Shaw, George Meredith, H. G. Wells, Thomas Hardy, dentre outros, bem como escritores e artistas de todo mundo lhe enviariam mensagens de congratulações. De noite, Tolstói estava cansado. Mas ainda teve tempo de sair ao ar livre e dizer algumas palavras às centenas de simpatizantes que se aboletavam do lado de fora, ávidos para ver o ídolo. Exausto, Tolstói voltou para o interior da casa e, após ouvir um pouco de Chopin, foi dormir em paz - pelo menos naquele dia.
Na Rússia:
Дорогой Лев Николаевич Толстой, с Днём Рождения!
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