segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Terceira noite do Seminário: Vólguin

Arlete Cavaliere (USP), mediadora e Igor Vólguin, palestrante
Igor Vólguin hipnotiza todos ao colocar lado a lado Tolstói e Dostoiévski
Eis que surge, imponente, nosso terceiro palestrante e, num átimo, canaliza todas as atenções para si. Igor Vólguin, professor titular da Universidade Estatal de Moscou, escritor e pesquisador de renome mundial, possui um discurso envolvente, pautado no grande conhecimento que tem da riquíssima cultura russa. Nesse sentido, ele consegue transmiti-lo como poucos ao percorrer caminhos absolutamente originais e inesperados em sua fala. Por isso, faremos aqui um pequeno relato do que foi dito pelo professor, enfatizando algumas idéias, sem qualquer pretensão, no entanto, de refazer sua trilha singular.  
Na comparação entre Tolstói e Dostoiévski, Vólguin ressalta que, “reza a lenda”, existem três categorias de pessoas no mundo: aquelas que leram, aquelas que vão ler e, por fim, as que jamais leram ou vão ler os russos. A partir daí, volta-se para os diários de Tolstói, tão presentes em sua trajetória de vida, agregando um conjunto de textos pessoais e sendo também um recurso forte de auto-educação, ainda que o autor desses diários não estivesse satisfeito com seu protagonista. No círculo pessoal de Tolstói, entre secretários, seguidores e membros da família, 20 pessoas escrevem diários. Já Dostoiévski teria possuído somente um documento desse tipo, uma espécie de diário taquigráfico escrito por sua mulher.  
Vólguin conta que Tchekhóv, a despeito de tímido, ansiava por conhecer Tolstói. Um belo dia, chegando à Iásnaia Poliana, o encontrara seminu, apenas com uma toalha enroscada ao corpo, pronto para tomar um banho.  O que poderia soar como uma barreira, entretanto, revelou-se como uma oportunidade inigualável. Tolstói convidou-o para o banho e o melhor da conversa se deu quando ambos estavam com a água pelo pescoço. A informalidade inerente ao escritor conquistava a todos. “Quando Tolstói morrer, que tudo vá pro inferno!” – teria proferido Tchekhóv.


Tolstói e Dostoiévski, segundo Vólguin, fazem parte da consciência russa. Se um deles fosse retirado da história do país, por exemplo, essa história seria outra, completamente diferente. Os dois viveram no mesmo espaço histórico, sob o mesmo teto pátrio,  ainda que nunca tenham se encontrado. Dostoiévski era sete anos mais velho que Tolstói, e quando ele morreu, 30 anos antes de Tolstói, este se sentiu extremamente abalado, como se uma parte de si mesmo tivesse morrido. “Ele perdeu sua base, ficou mais circunspecto” – salienta Volguin.

Última leitura de Tolstói
Dostoiévski quer ir à Iásnaia Poliana, mas jamais consegue fazê-lo. Tolstói ama Recordações da Casa dos Mortos, a obra mais tolstoiana de Dostoiévski.  Pobre, Dostoiévski sonha com imóveis, Tolstói os rejeita. A literatura do primeiro reside no subtexto, ao passo que o segundo tudo explica, não deixando margem para ambiguidades. Enquanto o Conde de Iásnaia Poliana tem a seu favor o tempo ilimitado, é independente, o homem de São Petersburgo responde a prazos e vive com dinheiro emprestado, dependendo dos caprichos de um editor de modo a produzir textos tal qual uma máquina. Dostoiévski passa todos os direitos autorais  à mulher, pois quer garantir a sobrevivência dos filhos pequenos após sua morte. Tolstói, já famoso, proíbe a família de desfrutar de seus direitos autorais após sua morte. Tolstói não quer milionários; Dostoiévski não quer miseráveis. Um prefere a verdade; o outro Cristo. Dostoiévski é um pai exemplar, que entende os interesses maternos. Tolstói opta por confeccionar  botas a cuidar da família.  Dostoiévski passa por 21 condenações à morte ao longo da vida. Tolstói teme a morte sem ter razões concretas para tanto. Tolstói deixa a vida com estardalhaço, câmeras, seguidores, batendo a porta, com o mundo ao redor de sua cama e ignorando a família – e a imagem de Sônia do lado de fora da cabana em Astapovo é um reflexo disso. Dostoiévski morre sem a fama que teria no futuro, ainda pobre, ao lado da família que ama. Mas...
Dostoiévski morre com uma carta de Tolstói, cujo tema é a negação da divindade de Cristo, à beira da cama. Ele pretende responder... E Tolstói foge de Iásnaia Poliana deixando o segundo volume de Os Irmãos Karamazov à cabeceira – e quando a viagem termina em Astapovo, ele pede que Aleksandra lhe traga o livro, ansioso por lê-lo ainda antes que a morte, tão iminente, leve-o.   


Vólguin e Anastassia Bytsenko, tradutora.

Lev Tolstói como peregrino russo, Igor Vólguin

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